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“A gente ainda não consegue sentar aqui e discutir somente sobre a capoeira, porque há outras questões que nos atravessam”. Foi com essa frase potente que a Mestra Princesa iniciou o 4° Encontro Sobre Protagonismo Feminino na Capoeira, evento interligado ao Festival de Capoeira: Ancestralidade e Resistência. A presidenta do Conselho da Salvaguada da Bahia estava acompanhada da Mestra Kalipé, Monitora Delicada, pesquisadora Ábia Lima e a capoeirista e vereadora de Alagoinhas, Juci Cardoso, que empoderaram outras mulheres com suas vozes.

Antes do início da mesa, uma performance das capoeiristas Cristal e Odara emocionou o público. Ao som do berimbau tocado pela Mestra Volta Grande, elas fizeram conectaram a ancestralidade, representada através das folhas, com elementos de dança moderna. O debate envolveu mulheres – que assumiram o lugar de fala nas discussões e propostas para um mundo mais igualitário na capoeira –, e homens, na escuta ativa, entre eles o Mestre Zambi.

Mestra Princesa trouxe em sua fala o peso de ser mulher na sociedade, sobretudo na capoeira. “A gente ainda não consegue chegar e sentar numa mesa sem falar sobre as questões de gênero na capoeira, que nos atingem de uma forma violenta e opressora. Eu não posso chegar aqui e falar sobre o trabalho que eu faço na capoeira e na Salvaguarda porque existe um contexto que nos cerca que é completamente diferente. A gente tem que provar todos os dias alguma coisa pra alguém, mas, é com essa luta pelo protagonismo, que a gente passa a representar um farol para as que estão chegando”, disse sob aplausos.

Primeira mulher afro-indígena a receber maior título da Capoeira na Bahia, Mestra Kalipé compartilhou o seu cotidiano em território Tupinambá e destacou a importância de se reconhecer na outra.

“Desde que eu comecei na capoeira, eu sempre olhei para as mulheres como minhas referências. Imagine em 1995, nós não tínhamos acesso a internet, e eu ficava louca para ver as mulheres jogando. A partir disso, tive contato com a Mestra Sônia, de Itabuna, e pensei: quero ser essa mulher maravilhosa. Hoje, quando eu vejo as mais jovens, fico admirada com a postura na capoeira, então elas também são minhas referências, mas eu sempre digo pra elas: a capoeira não é só pernada, tem coisas muito além. Vamos estudar e ser independentes”, aconselhou.

A mais jovem da mesa, Monitora Delicada trouxe um depoimento sensível sobre a invisibilidade feminina na capoeira. “A sociedade faz a gente pensar que a capoeira não é nosso lugar. Nós temos uma quantidade muito grande de mulheres na capoeira, mas ainda esbarramos com várias questões e continuamos reclamando dessas mesmas coisas. Eu já passei uma situação de ser impedida de assumir o gunga com a justificativa de que não era tradição ter uma mulher nesse lugar de liderança. Precisamos romper isso que chamam de tradição, que na verdade é violência. Hoje, na minha roda, a bateria começa com mulheres. E se alguém está insegura, eu pego na mão e falo: você consegue!. Então eu acredito, sim, que a capoeira tem um papel político e a gente precisa, sim, lutar pelos nossos direitos”.

Capoeirista, pesquisadora, professora e Doutora em Educação e Contemporaneidade pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e Mestra em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Ábia Lima apresentou dados do seu vasto estudo sobre as Mestras de Capoeira e políticas de reconhecimento.

“Nesse levantamento, consegui identificar 199 Mestras de Capoeira no Brasil. Ainda é um número pequeno, se pensar que a quantidade de mulheres nessa posição vem crescendo cada vez mais. Na década de 80, a gente tinha dificuldade de fazer essa identificação porque houve um apagamento da história das nossas ancestrais. Então através da oralidade, filmes, documentos a gente vai aos poucos reconhecendo essas mulheres. Como possível pioneira, temos a Mestra Tonha Rolo do Mar, do Recôncavo Baiano. Foi ela quem ensinou o Mestre Cobrinha Verde o jogo da navalha. Através de um edital que a gente conseguiu, vamos fazer uma escultura para a Mestra Tonha, para a Mestra Janja e para a Tereza de Benguela”, disse.

Mulher preta e forte atuante pelo movimento negro e feminino na Câmara de Alagoinhas, a vereadora Juci Cardoso encerrou a mesa desmistificando o feminismo, que geralmente é compreendido pelos homens como um instrumento de dominação e poder.

“A nossa luta não é contra os homens. As mulheres não querem o lugar dos homens, nem superá-los. As mulheres querem os lugares que também são delas, sem que pra isso precise passar por violência, assédio e tantas outras coisas. Então, nós estamos lutando para construir um mundo mais igual”, finalizou.

A mesa contou com intervenção e presença de outras grandes mulheres, como Mestra Tisza, Mestra Roberta do Ceará, Mestra Omara, Mestra Girassol, Mestra Nzinga, Mestra Coruja, Mestra Cigana, Professora Negona e o Movimento Karapaça.

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